domingo, 20 de maio de 2007

À beira do lume - Mª Alberta Menéres

Sossegadas as balbúrdias do dia, já a noite vinha devagarinho deitar pozinhos de sono por aqui e por ali.

Sentadas à lareira da velha casa, a avó e a neta começaram a pensar qual havia de ser a última história do dia.

― Conte lá a história da Carochinha! ― pediu a Mariana.

A avó admirou-se:

― Outra vez?! Mas tu nunca me deixas acabar como deve ser…

― Hoje deixo! ― prometeu a menina.

E a avó contou a história da Carochinha, como ela é conhecida. Falou da Carochinha à janela, toda contente por ter encontrado uma moeda ao varrer sua casinha:

― Quem quer casar com a Carochinha que é formosa e bonitinha?

― “Quero eu, quero eu!” ― tinham dito um cão, um gato, um galo, um boi, um burro…

Mas a Carochinha não tinha gostado da voz de nenhum deles e todos se tinham ido embora. Até que apareceu um ratinho: “Quero eu, quero eu!”

― Oh, como és engraçado! Ora fala um bocadinho, para eu ouvir bem a tua voz!

― Chi… Chi… Chi…

― Que linda fala! Vamos já casar! Vamos já casar!

E assim foi. No dia da boda, já iam a caminho da igreja para o casório, quando a Carochinha deu por falta de uma luva que tinha esquecido na cozinha, ao mexer o panelão que fervia ao lume.

― Vou já buscar a luva! ― disse o ratinho, muito amável.

― Tem cuidado, não te debruces no caldeirão!!! ― avisou a noiva.

― Bem ― continuou a avó ―, o ratinho foi até à cozinha e…

A neta, que ouvia a história com muita atenção, disse de repente:

― Mas a porta estava fechada!!!

A avó continuou:

― Pronto, a porta estava fechada e então o ratinho foi logo a ver da chave…

― Mas não a encontrou!!! ― disse muito depressa a Mariana.

― Bem ― continuou a avó ―, o ratinho então subiu a um postigo de grades que dava para a cozinha, e…

― Viu que não cabia por entre as grades!!! ― acudiu muito aflita a Mariana.

A avó não desistiu:

― Bem, então o ratinho, que era muito esperto e queria ir buscar lá dentro da cozinha a luva da Carochinha, pôs-se à procura de um buraco na porta pelo qual entrasse…

― Mas não encontrou!!! A porta era nova! ― interrompeu a Mariana.

― Bem, então não pôde ir buscar a luva da Carochinha à cozinha e voltou muito triste para junto da sua noiva, que…

― Ó avó, escusa de dizer agora que ela lhe deu a chave da cozinha, porque eu sei que não deu nada!!! ― quase gritou a neta.

― Por acaso era isso mesmo que eu ia dizer… — riu a avó.

E as duas, avó e neta, ali ficaram a rir e a brincar à beira do lume e à beira de uma velha história da Carochinha que a neta não queria, por nada deste mundo, que acabasse


“com o João Ratão
cozido e assado
dentro do caldeirão!”






Maria Alberta Menéres
Histórias de tempo vai tempo vem
Porto, Ed. Asa, 2002