quarta-feira, 6 de junho de 2007

Que assim seja! - Henri Gougaud

Chega um dia a Arles um velho santo, cego e descalço. Começa a pregar o Evangelho na praça principal, por entre os plátanos. Os habitantes de Arles reúnem-se em torno dele, em silêncio, e bebem as suas palavras, mais doces do que o mel. O santo homem fala tão eloquentemente dos mistérios que ouvi-lo é uma enorme alegria. Passa vários dias a contar a grande história da Criação. Dotado de uma sabedoria imensa, consegue apaziguar dores profundas. No final, pega de novo no seu bordão e parte.

Os habitantes da cidade acompanham-no até junto desse deserto cinzento e branco que é a planície da Crau, e confiam-no a um jovem, para que este o conduza à cidade mais próxima. O velho apóstolo e o rapaz partem de manhã cedo, pelo caminho cheio de pedras, deixando para trás as torres de Arles e os choupos das margens do Ródano. Caminham sob um sol ofuscante. O caminho é árduo e o calor abrasador. Por volta do meio-dia, o rapaz curva a espinha e passa uma esponja pela nuca. Está cansado e entediado. Então, vem-lhe à mente uma ideia maldosa.

— Meu bom velho, não gostaríeis de pregar um pouco?

— Claro, meu jovem, mas para quem?

— Vejo diante de vós uma multidão de homens e mulheres. Devem ser os habitantes da Crau que queriam ir a Arles ouvir as vossas preciosas palavras. Estão sentados, em silêncio, na relva do fosso. Quase nem respiram, para poder ouvir-vos melhor.
— Nesse caso, eis-me pronto para lhes falar da beleza, dos mistérios e da bondade de Deus. Diz-me quando chegarmos junto deles.

— Já chegámos, bom velho — disse o rapaz.

A verdade é que estavam sozinhos no meio da planície silenciosa. Em volta deles só havia algumas ervas secas por entre pedras cinzentas e pardas e o barulho do vento. O bem-aventurado falou admiravelmente e numa voz clara. Nunca tinha dito coisas tão maravilhosas e nunca as suas palavras sobre a beleza do mundo tinham sido tão eloquentes. Só o rapaz e os insectos do deserto podiam ouvi-lo. No entanto, quando acabou de falar, todas as pedras da planície da Crau disseram em uníssono:

— Que assim seja!

O santo homem retomou o caminho e, com o rosto iluminado, disse ao rapaz:

— Na verdade, acabámos de encontrar pessoas extraordinárias!




Henri Gougaud
L’Arbre à Soleils. Légendes du Monde Entier
Paris, Éditions du Seuil, 1979
Adaptação

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