quinta-feira, 13 de setembro de 2007

O modelo de realização pessoal - A Mãe Holle ou as perturbações da inspiração



A Mãe Holle ou as perturbações da inspiração



As inspirações surgem com uma frequência cada vez maior na nossa consciência, à medida que nos apercebemos de como podemos inserir as nossas questões num contexto mais vasto.

Se conseguirmos travar a vontade que o nosso espírito analítico tem de tudo escalpelizar, essas inspirações transformam-se em questões novas para o nosso espírito. Outras inspirações surgirão que podem funcionar como indícios muito concretos para que possamos avançar no caminho da Fecundidade, o que pode conduzir-nos a um modelo de verdadeira realização pessoal.

No decorrer deste processo corremos o perigo de olhar para trás e de nos deixarmos agarrar de novo pelo nosso antigo sistema de referências. A fim de evitar este risco, o Herói deve reafirmar e manter a sua abertura contra todas as tentações de retorno egocêntrico sobre si mesmo. Precisa de um apoio a toda a prova, como no-lo mostra o conto A Mãe Holle.


A Mãe Holle


Uma viúva tem duas filhas: uma é bela e corajosa, a outra é feia e preguiçosa. A viúva prefere a segunda, que é a sua própria filha, e deixa que a enteada se ocupe de todo o trabalho da casa. A rapariga tem de fiar junto do poço, fiar até que os dedos sangrem. Um dia, quando está a lavar a roca cheia de sangue, esta cai-lhe das mãos e mergulha no poço. A madrasta exige que a rapariga a encontre. Na sua aflição, a rapariga salta para dentro do poço para recuperar a roca. Ao cair, desmaia. Quando acorda, encontra-se num mundo maravilhoso: um prado juncado de flores onde o sol brilha intensamente. Ao caminhar, a menina descobre um forno. Os pães que estão a ser cozidos pedem que alguém os salve de se queimarem. A rapariga retira-os a tempo. Depois passa por uma macieira cujas maçãs estão maduras e pedem para serem colhidas. Numa casa, uma velha de dentes afiados pede-lhe que fique ao seu serviço. Deve sacudir o edredão da cama para que a neve caia sobre o mundo. Trata-se da Mãe Holle.
A menina desempenha a sua tarefa conscienciosamente. Em troca, é bem tratada. Após algum tempo, tem saudades de casa e confessa-o à velha. Esta mesma a conduz à porta por onde deve sair e sobre a menina cai uma chuva de ouro. A Mãe Holle devolve-lhe a roca. A menina é bem recebida pela madrasta, porque chega coberta de ouro. Quando a madrasta sabe o que se passou, obriga a filha, feia e preguiçosa, a lançar-se no poço. Aquela fá-lo mas negligencia os indícios que o mundo da Fecundidade lhe fornece e as tarefas que deve executar. Como não consegue entrar em contacto com aquele mundo, também não pode responder aos seus pedidos. A Mãe Holle acaba por a despedir, mas não é uma chuva de ouro que a acompanha à saída: é antes uma tonelada de alcatrão, do qual nunca irá desfazer-se.


Chaves activas do conto


A sanção final que atinge a segunda irmã é rigorosa e sublinha o que está em jogo quando nos deparamos com o universo da Mãe Holle. Este universo espera a sua libertação, tal como a casa da floresta, mesmo se nada nos é dito a este propósito.

A visão maravilhosa do outro lado só nos é comunicada quando saltamos para dentro do poço. É então que esse mundo se deixa abordar e se podem criar laços de comunicação com aqueles que nele penetram. Os pães, as maçãs e o edredão são apenas um pretexto, já que esse mundo funciona normalmente mesmo sem a presença das duas meninas.

Mas, através desses elementos, esse mundo decide mostrar que padece de uma falta e que espera uma resposta. Os pães são cozidos e arriscam-se a ser queimados; as maçãs estão maduras e têm de ser colhidas; o edredão tem de ser sacudido, para que a neve desça sobre o mundo. Através destas imagens, este mundo emite uma queixa muito específica que um coração suficientemente próximo e aberto vai de certeza escutar.

Com efeito, a irmã bonita e corajosa ouve essa queixa sem esforço. A chuva de ouro vai irmaná-la a esse mundo e vai permitir a esse mundo libertar-se da sua impotência, permitindo-lhe que mostre o seu ouro e a sua abundância. A Mãe Holle sente uma felicidade especial quando a menina lhe pede para regressar a casa!

Nem se preocupa com o facto de o serviço do edredão ter de ser interrompido, já que a que agora chega se vai ocupar do serviço do ouro e permitir que o seu brilho chegue a outros mundos. Se a menina se tornou testemunha do outro mundo foi para dar a conhecer a sua fecundidade.

O universo da Mãe Holle simboliza um universo de maravilhas difíceis de exprimir, desconhecidas, cujos atributos exigem e esperam a libertação, para que se possam manifestar. A primeira irmã respondeu a este apelo, mas são esperados mais libertadores a todo o momento. A mesma proposta é feita à segunda irmã.

Só que esta entra naquele lugar maravilhoso sem se desfazer das suas referências habituais. Cobiça o ouro e só pensa nas suas necessidades pessoais, sem se dar ao trabalho de libertar e servir o mundo da Fecundidade que se abre para ela.

Só o coração está em condições de escutar o lamento desse outro mundo e de lhe dar resposta, já que esta queixa o reenvia para a sua falha fundamental, para o seu apelo desesperado por uma verdadeira vida. Se a primeira irmã responde é porque é pobre e sofre, tendo o seu sofrimento feito com que ela mantivesse o coração aberto a qualquer lamento parecido com o seu.

O universo da Mãe Holle está tão cheio de riquezas quanto o mundo da madrasta está cheio de miséria e de ausência de sentido. As duas queixas ouvem-se mutuamente e vibram em uníssono. Pode assim criar-se um elo de comunicação.

O drama da segunda irmã é que o seu coração não conhece sofrimento nem compaixão. Se penetrou no mundo mágico da Mãe Holle, não foi para honrar uma necessidade vital, mas apenas para copiar a irmã, arrecadar ouro e obedecer à mãe. Este mundo vai condená-la duramente pela sua transgressão, sem sequer a avisar do perigo em que incorreu.

Esta é a lei do mundo da Fecundidade: a entrada é fácil mas o julgamento à saída é difícil. Saímos tal qual entramos, só que de forma ampliada. Para podermos circular nesse mundo, convém abandonarmos as nossas referências habituais e escutarmos apenas a voz do nosso coração. É também um mundo no qual não podemos permanecer. Devemos ser seus testemunhos e manifestá-lo no nosso plano de existência.

Temos de manter um espírito de abertura e de atenção global a fim de podermos aceder a ao mundo da abundância. Mas também é preciso fornecer apoios sólidos a essa abertura, já que a nossa cobiça também consegue aceder a ele e tenta tirar proveito dele (a segunda irmã), o que estará votado ao fracasso.


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